No primeiro final de semana após o memorável protesto em São
Paulo, foi agendado um ato para o Espírito Santo, na nossa agenda global: o
facebook. O número de confirmados no grande evento se multiplicava a todo
instante, até ultrapassar os 18 mil. Nas redes sociais foi o assunto do momento:
#ogiganteacordou #vemprarua #protestoes .
Enfim, o grande dia!
Às 19h eu saí da redação rumo à manifestação, que já havia começado, com uma
equipe da TV – sendo que já havia outras cobrindo o protesto. Fomos em 5: o
cinegrafista, seu auxiliar, um repórter, uma estagiária, e eu (que estou começando
a atuar como repórter).
|
Manifestantes ao vivo, no JTVV/ Record |
Quando chegamos, os manifestantes estavam em frente ao Shopping Boulevard, na
praia do canto. Ali, vi vários militantes cumprimentando policiais que estavam
acompanhando o ato. O barulho era muito alto, muitas pessoas gritando, cantando
e conversando. Como estávamos com uma câmera e identificados como imprensa, rapidamente
os jovens se aglomeraram em nossa volta pedindo para filma-los. Todos estavam
muito preocupados com o que iria sair nos jornais no dia seguinte.
Precisamos cortar caminho para chegar na praça do pedágio antes dos
manifestantes, para fazer boas imagens. Conseguimos. Uma equipe nossa já estava
posicionada para entrar ao vivo, no momento em que os manifestantes chegassem à
terceira ponte. O link foi invadido pelos militantes, que gritavam: “fora globo”,
“globo mentirosa”, além de palavrões.
Porém, neste momento uma surpresa: os manifestantes não pararam na praça do
pedágio. Logo se viu um mar de gente dominando a terceira ponte. Conversamos
entre nós, e decidimos que íamos acompanha-los durante o trajeto.
|
Parte da equipe, em cima da Terceira Ponte |
Quando passei das cancelas senti um frio na barriga. Eu temia por uma ação da
polícia ali em cima. Mas continuei a caminhada. Durante o trajeto os
manifestantes pararam de cantar. O tempo se dividia em um silêncio estranho, e
conversas paralelas. Em alguns momentos ouvíamos insultos, por sermos da
imprensa. Apesar disso eu sentia algo inexplicável. Enquanto observava a altura
e a paisagem, o vento que passava entre os militantes era surreal, eram ventos
de paz. Durante os passos pequenos e cansados, passei a observar as pessoas em
minha volta. Deparei-me com muitos sorrisos. Ali, todo mundo era amigo, todo
mundo era igual.
Quando chegamos à metade da ponte, uma menina bastante assuntada nos alertou
que a ponte estava balançando e que poderia quebrar (sim. Ela disse isso). Ela
então apontou para o lado mostrando a estrutura, e percebemos que realmente
estava balançando muito. Ignoramos, por acharmos aquilo comum – e é. Começamos
a nos desequilibrar com o embalo da terceira grande ponte. Foi um tanto quanto
divertido mas, confesso: senti um pouco de medo.
Chegando ao final da ponte, o carro de reportagem estava nos esperando. Tínhamos
que correr para pegar os manifestantes chegando à casa do governador. Além
disso, já sabíamos que o Batalhão de Missões Especiais já aguardava o protesto
chegar, um pouco antes da casa do Renato Casagrande. Era certo que eles não deixariam
os manifestantes fossem até lá.
Quando chegamos à rua da casa do Governador já havia muitos manifestantes por
lá. Fomos caminhando, com um pouco de dificuldade, até o início. Nós da
imprensa ficamos encurralados entre os manifestantes e os escudos da polícia.
Ali, já sentia que algo estava errado. Havia muitos manifestantes revoltados e
nervosos. Algumas pessoas tentavam acalma-los, mas era muito difícil. Foi
chegando mais gente cada vez mais, e o espaço ficou apertado.
Eu pude ver os olhos dos policiais, estavam todos em alertas e, quando o
barulho aumentava, eles ficavam em posição de ataque. Eu senti muito medo, e
quis sair correndo de lá. Um major da PM saiu dentre os escudos para tentar uma
negociação. Ele propôs que alguns militantes fossem, numa outra ocasião, até
uma secretaria, conversar com algum secretário (ele não foi muito claro). A
tentativa de apaziguamento foi ignorada pelos militantes.
Com o passar do tempo o clima foi ficando mais tenso. Enquanto estávamos
conversando com esse Major, um objeto, creio que seja uma lata ou garrafa, caiu
no meio do batalhão. Ouvi um grito: “não! Não façam isso! Parem!.
Tarde de mais. Um jato caiu sobre nós e, em questões de segundos, a multidão
começou a correr. Vi muitas pessoas agressivas ali na frente, senti que eles já
queriam esse confronto. Ouvi muitos estouros, e bombas começaram a cair do meu
lado. Eu já havia me perdido da equipe. Mas rapidamente encontrei o repórter. O
cinegrafista e a estagiária haviam desaparecido entre a multidão em pânico.
Não tinha para onde correr. Muitas pessoas desmaiadas na rua. Algumas
disputavam espaço numa única viatura do corpo de bombeiros que estava no local.
Nós ficamos, inclusive, no lado dela para nos proteger. Mas as bombas caíam
entre nós. E ficava cada vez mais difícil respirar.
Minha garganta, meu nariz e meus olhos queimavam muito. Até que eu não
conseguia enxergar mais. O repórter, grande amigo, inclusive, me ajudou e
tentou me proteger com o terno. Ele também estava na mesma situação, talvez
pior. As pessoas foram muito solidárias
conosco. Ofereceram ajuda, água e vinagre. Os moradores também ofereciam ajuda.
Principalmente a quem estava ferido.
Ficamos por um bom tempo no meio do conflito. Muitos jovens permaneceram ali arremessando
objetos contra a polícia. A partir dai, a PM começou a atirar. Ouvíamos
barulhos muito altos, de coisas quebrando. Mas não dava para enxergar. Os repórteres insistiam em ficar ali na zona
de confronto.
Encontramos nosso cinegrafista, que estava passando mal. Decidimos, então, sair
dali e ir para um local seguro e longe das bombas. No caminho de volta, uma
destruição sem precedentes. Muito lixo na rua, carros depredados e amassados.
Caçambas de lixo jogadas no meio da avenida,
e portões sendo arremessados.
Algumas pessoas começaram a subir no muro
dos prédios para se proteger. Moradores gritavam pedindo para que a
polícia parasse. Nos deparamos com mais pessoas solidárias, que perguntavam se
estávamos bem.
Caminhamos até a praia. Lá, muitas pessoas passando mal, e outras muito nervosas.
Ali, encontramos com outras equipes de imprensa, e ficamos sabendo que o carro
de uma emissora havia sido totalmente quebrado, e a bolsa da repórter roubada.
Depois de um tempo, precisamos voltar para a área de conflito para fazer imagens.
Encontramos mais destruição. Ficamos bem à frente, mas as bombas de efeito
moral nos impediam de prosseguir. Era muito difícil respirar e enxergar. Além
do nosso, outro cinegrafista estava nos acompanhando.
Recebemos a informação de que a polícia iria cercar os vândalos que ainda
permaneciam em conflito com a polícia. Decidimos abandonar o local, por
segurança. Entramos no carro de reportagem, mas, ficamos sabendo que o
Secretário de segurança iria se pronunciar. O repórter foi até a Sesp conversar
com ele e, enquanto isso fui entregar as fitas já gravadas para um repórter que
estava na redação.
Na volta, recebemos a ordem de voltar para o protesto ou, então, ir até o Dpj
de Vila Velha, pois uma equipe de reportagem que teve o carro quebrado estava
lá. Decidimos ir à delegacia. Lá, recebemos a informação de que havia um
manifestante detido. Esperamos ele chegar. O rapaz estava com uma garrafa com
um pano dentro, e estava prestes a
atacar a polícia com aquela ‘arma’ – descobrimos que ele havia passagem pela
polícia.
A delegacia foi meu último momento. Já me sentia exausto, pois estava desde
07h30 trabalhando. Decidi pegar um táxi, junto com uma amiga que nos
acompanhava, pondo fim na segunda-feira atípica.
Participar da cobertura de uma manifestação é realizar um sonho antigo. Estou
satisfeito como jornalista e cidadão.