sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Veredas da compaixão

Semana longa de trabalho. Comecei no ano de 2013 e só fui parar em 2014. Corpo cansado, mente inquieta... Talvez paranoica. Talvez...  Talvez tenha sido minhas virtudes afloradas que me fizeram cansado. Tem hora que o coração não aguenta, e abrocha. O sentimento começa a falar mais e alto, e já era, confusão formada lá dentro. No estômago, no peito, na mente, na alma. 

Escutei durante essa interminável semana várias histórias. Assaltos, afogamento, homicídios. Lá em Inhanguetá, bairro da Capital, duas adolescentes foram baleadas enquanto conversavam na calçada. Quando cheguei junto com minha equipe, todos da rua estreita onde havia acontecido o crime correram. Desde as crianças que brincavam por lá, até a senhora que lavava o sangue do chão. Ninguém quis falar, ninguém quis aparecer. O silêncio tomou conta do beco. Uma senhora meio tímida, cabisbaixa e desconfiada aparece. Era a mãe de uma das meninas baleadas. Ela me mostra capsulas que havia juntado depois do tiroteio, e diz: “aqui ninguém pode sair de casa não. Tem que ficar lá dentro, escondido”. E some entre o beco. Nas paredes, várias marcas de tiro. Por trás delas, o medo.

Distante dali, famílias tiram de dentro de suas casas móveis estragados. No rosto de cada um, a expressão de dúvida: “e agora?”. A chuva levou tudo, menos a tristeza. Uma senhora, enquanto coloca no meio da rua um pedaço de madeira, que aparenta ser o resto de um guarda-roupa, chora e responde a pergunta que todas as pessoas fazem a si mesmas naquele momento: “Agora é trabalhar pra conseguir tudo de novo, né... é triste.” 

Aprendi que jornalista precisa ser imparcial, justamente pelo contato direto com tragédias. Porém, há momentos em que o sentimento sobressai. Li um texto, publicado numa revista, algo sobre compaixão. Dizia assim: “tragédias e tristezas pipocam nos noticiários da TV e na internet o tempo todo. E, quando nos compadecemos com aqueles que sofrem, compartilhamos com o outro a sua dor e o seu sofrimento.” Fácil não é, mas é isso que nos torna mais humanos e o que faz da nossa caminhada algo menos solitário. É a sensação de que temos sempre com quem contar. 

Compaixão. Sentimento meio doido, mas fundamental para a vida. Já dizia Schopenhauer:

“A compaixão é um fenômeno assombroso e cheio de mistério: ela apaga a linha fronteiriça que, aos olhos da razão, separa um ser de outro ser, borrando os limites entre o que eu sou e o que eu não sou. A compaixão é a fonte de toda a justiça e de toda a moral; e o ser que não a conhece está excluído da própria humanidade.”

Faz bem sentir. Faz bem ser humano.


Um comentário:

  1. É um tanto desafiador ler isso nesse período de peste, reforçado pelo descaso e a desesperança.

    A gente tenta fazer nossa parte e não desesperar, mas já estamos reduzindo o luto à uma nota e, assim, ameaçando reduzir nossa humanidade junto.

    Vamos sentir, vamos chorar, até conseguir respirar fundo e agir humanamente de novo, mais vivos.

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